Como pensam os defensores da Teoria Monetária Moderna (TMM)

Me lembro de quando ainda estava na escola uma colega de sala perguntar: “Professor, se a dívida do governo é tão alta, por que ele simplesmente não imprime dinheiro e paga?” Todos riram alto. Estávamos apenas no 1º ano do ensino médio e sem nenhum sólido conhecimento de economia, mas a resposta já era um tanto óbvia para quem viveu entre os anos 1980-1994. Antes de retomar a resposta, vamos contextualizar esse assunto.
A PEC da Transição foi aprovada em dois turnos e por vasta maioria no Senado, seguindo agora para apreciação final na Câmara dos Deputados. O documento garante à nova administração uma licença para gastar R$145 bilhões além do teto pelos próximos 2 anos, em especial para a manutenção dos repasses de R$600 mensais do Bolsa Família (Auxílio Brasil) e um adicional de R$150 por criança de até seis anos. O documento prevê que o futuro governo envie ao Congresso um novo regime fiscal para substituir o atual Teto de Gastos. E é neste último ponto que preciso de sua atenção.
Em artigo de antes das eleições eu comentei sobre os 3 cenários mais prováveis para seus investimentos, destacando a importância da responsabilidade fiscal para a credibilidade do governo e o ambiente de negócios do país. Entretanto, o texto da PEC já nos trouxe uma boa amostra que a equipe de transição não pensa dessa mesma forma e, acredita que os gastos do governo são ilimitados, assim como minha colega de escola:
“Cabe enfatizar, como apontam alguns adeptos da TMM, que o aumento de gastos públicos não pode provocar crise de desconfiança em países que emitem dívida na própria moeda. Ou seja, se o financiamento das despesas fosse feito em moeda estrangeira, seria justificável uma preocupação com a solvência do país. Mas como os títulos emitidos pelo Tesouro Nacional são em reais, não existe a possibilidade de o governo não pagar”.
Essa citação gerou tanto desconforto no mercado que o próprio PT estuda sua supressão. Mas o que realmente significa esse trecho?
A TMM (Teoria Monetária Moderna) parte de pressupostos aparentemente matemáticos para dizer que o governo deve gastar mais que arrecada, financiar essa despesa por meio da emissão de títulos públicos internos e pagá-los imprimindo dinheiro. Afinal, a moeda é um monopólio do estado e não há nenhum lastro para o dinheiro além da confiança no governo. Por outro lado, entendem que os impostos servem como ferramenta para secar o excesso de dinheiro no mercado e evitar o processo inflacionário. Sendo assim, quando a inflação ficasse muito alta, bastaria aumentar a taxação da população e tudo se regularia novamente. Lembro que o brasileiro já trabalha em média 149 dias do ano para pagar seus impostos.
"De um lado, o governo imprime dinheiro e, consequentemente, obtém todos os bens, serviços e mão-de-obra que deseja; de outro, ele aumenta impostos para retirar esse mesmo dinheiro da economia, asfixiando ainda mais o setor privado e retirando seu poder de compra. A TMM, portanto, é um esquema vicioso inventado para que o governo sempre possa ganhar e para que setor privado sempre saia perdendo." Robert Murphy
Uma das coisas que os adeptos da TMM deliberadamente ignoram é o “efeito crowding-out” (efeito expulsão), item de uma das primeiras aulas de qualquer escola séria de economia. Esse efeito de nome complicado ocorre quando há um aumento descontrolado dos gastos públicos visando expandir a economia, o que resulta no inchamento do estado e na expulsão do capital privado.
“Imprima dinheiro e seja feliz” não é uma filosofia nova, mas repaginada. É uma forma de socialismo sofisticado, que visa por meio do próprio funcionamento do capitalismo, expulsar o capital privado e substituí-lo pela participação ostensiva do setor público na economia. Essas aventuras heterodoxas vêm sendo trilhadas há longo tempo pela Argentina e os resultados são sempre cruéis: perda de poder de compra (elevação de preços), câmbio muito desvalorizado, baixo crescimento econômico, elevadas taxas de juros e endividamento do governo. Lá na escola, meu excelente professor de história tinha a resposta na ponta da língua. Infelizmente, sinto que estamos nos esquecendo de nosso passado inflacionário e, o que deveria ser óbvio, já não é mais.
O que está em jogo vai muito além da PEC e seus R$145 bilhões. O que deve preocupar de verdade é qual vertente ideológica vai predominar na definição do novo regime fiscal para substituir o atual Teto de Gastos. Caso o novo governo caminhe para a lógica da TMM, como já sinalizado, os reais riscos da economia brasileira podem estar atualmente subestimados pelo mercado.
12/12/2022
Samuel Barbi
Mentoria Financeira
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