Falências bancárias pressionam por queda dos juros mundiais
Em novembro de 2021 comentei em uma de minhas colunas que o Brasil enfrentava obesidade mórbida. Na analogia explicava que a instabilidade política (cenário de eleições polarizadas) e fiscal (gastança populista de recursos públicos) do país levavam o Banco Central a elevar as doses de um conhecido remédio contra o colesterol da inflação: a taxa de juros.
Na bula de todo medicamento são exibidos eventuais efeitos colaterais da medicação. E nesta coluna eu pretendo debater outras condições que nos levaram a doses de juros tão elevadas, bem como sobre as pressões para que sejam reduzidas em um ambiente que já dá sinais de uma possível crise de crédito. Para finalizar, comento formas importantes para se proteger frente ao cenário que se desenha.
1. A Pandemia
A pandemia de Covid-19 teve um impacto significativo na economia mundial. Com as pessoas sendo recomendadas a permanecer em suas casas, o trabalho e a geração de renda ficaram prejudicados. Os governos tentaram socorrer as pessoas com programas de transferência de recursos, enquanto muitos bancos centrais buscavam fomentar a atividade econômica com juros artificialmente baixos.
A produção de bens e a oferta de serviços foram severamente afetadas, bem como prejudicada a cadeia logística global, itens agravados pela guerra entre Rússia e Ucrânia. Essas condições elevaram os custos de produção e transportes de mercadorias para as empresas e, em consequência, os preços. Adicionalmente, a distribuição de dinheiro sem trabalho como contrapartida, resultou em aumento da demanda mundial em um ambiente de produção limitada, combustível perfeito para a fogueira da inflação.
2. Desequilíbrio em Correção
Passado o período mais crítico da pandemia, era hora de combater os índices inflacionários. O grande desafio dos bancos centrais era promover o chamado pouso suave (soft landing), elevando “gradativamente” as taxas de juros para esfriar o aumento de preços e não despertar efeitos colaterais do principal remédio contra a inflação, notadamente desemprego e baixo crescimento econômico.
O Banco Central do Brasil foi um dos primeiros a agir, elevando progressivamente a Selic de 2% para os atuais 13,75% a.a. Nos Estados Unidos o movimento iniciou de forma mais tardia, com os juros (Fed Funds Rate) subindo de 0,25% para 4,5% a.a em menos de um ano.
Como o Brasil se movimentou antes dos demais, a inflação chegou a arrefecer ao longo do ano de 2022 com o ingresso de capitais externos (diferencial de juros) e seu efeito no câmbio, mas também em função de desonerações fiscais (em especial a dos combustíveis) promovidas no fim do governo Bolsonaro. O acumulado de 12 meses do IPCA foi de 12,13% em abril de 2022 a 5,78% em dezembro do mesmo ano. Nos EUA os preços ao consumidor também desaceleraram, saindo das máximas de 9,1% em junho para e tiveram alta de 6,5% ao fim do ano (pasmem, mais alta que em nosso país!).
3. Efeitos Colaterais e Sinais de Crise: Panela de Pressão
Tudo certo e nada resolvido. As altas taxas de juros podem ter vários efeitos colaterais na economia, incluindo o desestímulo ao consumo e ao investimento, o aumento do desemprego, a queda no mercado de ações, a redução da confiança dos investidores, a diminuição da aquisição de imóveis pelas pessoas e o impacto negativo nas finanças públicas. Embora sejam uma ferramenta importante para combater a inflação e manter a estabilidade econômica, as altas taxas de juros devem ser aplicadas com cautela e equilíbrio, a fim de minimizar seus efeitos negativos na economia e na sociedade.
No Brasil observamos recentemente a quebra de financeiras (BRK e Portocred, por exemplo), impactos sobre o varejo, despertados pelo pedido de recuperação judicial da Americanas e também sobre os atrasos nos pagamentos de locações de imóveis comerciais por outras grandes varejistas. No exterior, eventos consideráveis como as falências do SVB (Silicon Valley Bank), do Signature Bank, além da recente venda do Credit Suisse à UBS e o socorro ao First Republic Bank. Esses são sinais de crise no mercado de crédito, uma panela de pressão que vai se formando.
Fato é que em alguns desses casos houve má gestão de riscos, fraudes e até mesmo boa dose de ganância. Não cabe aqui fazer juízo de valor, mas sim de entender como se posicionar para um cenário que se avizinha. As altas doses do remédio contra a inflação já apresentam concretamente indesejados efeitos colaterais na economia mundial, o que emite sinais aos bancos centrais de que é hora de rever os ciclos de altas de juros.
4. Possível Cenário
Nos dias 21 e 22 de março de 2023 teremos reuniões do Copom e do FED para definição das taxas de juros no Brasil e nos EUA, quase que concomitantes. Até então, o tom do FED era de que a inflação permanecia alta e, possivelmente, seria necessário prosseguir com novas altas de juros. Com o cenário das últimas semanas, aumenta a probabilidade de o FED reavaliar este discurso.
No Brasil já havia uma grande pressão política pela redução dos juros, com ataques expressivos à autonomia do Banco Central, inclusive, por parte do atual presidente. Até então o Bacen tem se mantido ativo e vigilante, em especial, porque as condições internacionais também eram adversas a juros mais baixos. Se a condução do FED mudar, pode ser que se abra um cenário menos complicado para o afrouxamento dos juros por aqui.
5. Como os investimentos podem se relacionar com este cenário?
Apesar de os índices de inflação permanecerem em patamares elevados, as altas taxas de juros se desdobram em efeitos colaterais indesejáveis na economia mundial, sinais de que pode haver uma reavaliação das políticas monetárias conduzidas pelos bancos centrais do mundo.
Em um ambiente assim, penso ser importante se atentar para riscos em:
Títulos pós-fixados: se as taxas de juros caem, sua rentabilidade será menor que no momento da contratação. Além disso, com a inflação em alta, há risco de rentabilidade real negativa. Vale aqui manter os recursos da reserva de emergências e de reservas de oportunidades;
Títulos prefixados: vejo riscos consideráveis aqui. Mesmo com quedas nos juros e possível ganho de marcação a mercado, se inflação sobe muito, sua rentabilidade tende a ser consumida;
E para potencializar resultados:
Títulos atrelados à inflação: se a taxa de juros cair e a inflação subir, você está protegido. Além disso existe potencial de ganho em marcação a mercado, vejo boas oportunidades nesta categoria;
FIIs: Os contratos de aluguéis são reajustados anualmente por índices inflacionários, portanto, estes ativos tendem a se proteger da inflação. Além disso, em um possível ciclo de queda de taxa de juros, os mesmos se valorizam;
Ações selecionadas: Empresas com vantagens competitivas e poder de precificação são resilientes em momentos de maior inflação, além disso, as ações também podem se valorizar em um cenário de queda de juros;
Exterior: Sempre é importante manter uma parcela de seus ativos no exterior, isso te protege em tempos de crise e pode assegurar uma renda passiva em dólares ou outras moedas internacionais fortes.
"Compre ao som de canhões, venda ao som de violinos"
Esta frase é comumente atribuída a Nathan Mayer Rothschild, um banqueiro britânico do século XVIII. Segundo a lenda, Rothschild teria feito uma grande fortuna ao seguir essa estratégia de compra e venda de ações durante a batalha de Waterloo, em 1815. Apesar de não haver nenhuma evidência histórica comprovando que ele realmente falou ou agiu dessa forma, comprar investimentos de renda variável quando os preços estão baixos em função de incertezas na economia (como o som de canhões em uma batalha), e vender quando os preços estiverem altos (enquanto todos se divertem em óperas e festas) é a melhor forma de fazer seus investimentos multiplicarem.
Sejamos pragmáticos. Observar os sinais de uma possível crise no crédito e a formação de uma panela de pressão pela mudança na condução das políticas monetárias mundiais pode nos dar pistas de como agir em nossos investimentos para evitar riscos e potencializar resultados. A avaliar o que vai ocorrer nas reuniões de Fed e Copom nesta semana.
20/03/2023
Samuel Barbi
***Atenção: Isso não é recomendação de investimento! Este texto tem o objetivo de mapear o cenário macroeconômico e explicar brevemente como cada ativo tende a se comportar em uma eventual mudança de rota. Não há garantia de que os resultados sejam como o previsto nem o timing em que essas situações podem ocorrer e se reverter em lucros.
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