Crédito do Trabalhador: Oportunidade ou Risco?
- Samuel Barbi
- 30 de mar.
- 3 min de leitura
Os índices de endividamento no Brasil seguem alarmantes. De acordo com a Serasa, mais de 73 milhões de brasileiros estavam endividados em outubro de 2024, refletindo um cenário preocupante para grande parte da população. Dentro desse contexto, a nova modalidade de crédito consignado para trabalhadores da iniciativa privada surge como uma faca de dois gumes. De um lado, pode ser uma alternativa para substituir dívidas mais caras por uma linha de crédito com juros menores. De outro, se mal utilizada, pode agravar ainda mais o endividamento e levar muitos trabalhadores à insolvência.
O programa Crédito do Trabalhador (Consignado CLT), registrou R$ 1,28 bilhão em empréstimos concedidos nos sete primeiros dias de vigência, segundo dados da Dataprev repassados ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A linha de crédito, disponível desde 21 de março, permite que trabalhadores com carteira assinada, incluindo empregados domésticos e MEIs, contratem empréstimos com desconto direto em folha. Como garantia, o programa utiliza até 10% do saldo do FGTS e 100% da multa rescisória em caso de demissão, enquanto a margem consignável permitida é de até 35% do salário do trabalhador.
A primeira alternativa — usar o consignado para substituir dívidas mais caras — pode, sim, ser um caminho interessante. Se uma pessoa tem um saldo acumulado no rotativo do cartão de crédito ou em cheque especial, cujas taxas médias ainda ultrapassam 400% ao ano (mesmo com o teto de 100% estabelecido no ano passado), trocar essa dívida por uma linha consignada com juros mais baixos pode trazer um alívio financeiro significativo. A premissa aqui é simples: consolidar dívidas sob um custo menor e com prazos e parcelas previsíveis. Contudo, isso só funciona se a pessoa mantiver um planejamento financeiro rigoroso, evitando novas dívidas que comprometam ainda mais a renda.
O problema acontece quando o consignado é usado de forma impulsiva ou sem planejamento adequado. Em muitos casos, trabalhadores já comprometidos financeiramente tomam esse crédito não para substituir dívidas mais caras, mas sim para consumo imediato ou para cobrir despesas recorrentes. Isso gera um efeito bola de neve: ao comprometer parte da renda futura com descontos automáticos em folha, o trabalhador pode acabar recorrendo a novas linhas de crédito para suprir despesas essenciais. O resultado? Um endividamento ainda maior e um ciclo vicioso de dependência do crédito.
Caso o trabalhador seja demitido, a situação pode se agravar ainda mais. Como a multa rescisória do FGTS foi usada como garantia do empréstimo, ele perde o acesso a esse valor no momento em que mais precisaria dele. O FGTS foi criado, entre outras razões, para garantir uma reserva financeira ao trabalhador em momentos de transição de emprego, funcionando como uma espécie de colchão de estabilidade. No entanto, com a vinculação ao crédito consignado, esse mecanismo de proteção é comprometido, tornando o trabalhador ainda mais vulnerável.
Além disso, há um ponto central que precisa ser debatido: o FGTS pertence ao próprio trabalhador. No entanto, o governo autoriza os bancos a usá-lo como garantia para concessão de crédito — e ainda cobrar juros sobre isso. Ou seja, o trabalhador está pagando para ter acesso a um dinheiro que já é seu, mas que não pode sacar livremente. Esse contrassenso levanta questionamentos sobre a real vantagem desse modelo. Apesar disso, se bem utilizado, o crédito consignado CLT pode ser uma ferramenta útil para reorganizar as finanças, mas exige responsabilidade e planejamento para evitar armadilhas que aprofundem o endividamento.
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