Quem tem mais idade e viveu a década de 1990 se lembra do dólar cotado a R$1,00. Durante boa parte dos anos 2000 e até 2014, a moeda americana raramente ultrapassava os R$3,00. Hoje, já alcançamos patamares superiores a R$6,00, e, considerando os rumos atuais, talvez sintamos saudades desse valor no futuro.
Impactos no Custo de Vida
Nosso atual presidente afirmou: “as pessoas mais pobres não compram dólar, mas sim comida”. Essa declaração, além de simplista, ignora a realidade de uma economia globalizada, onde o dólar influencia diretamente os preços no Brasil. Muitos alimentos básicos, como trigo, arroz e carnes, têm seus preços atrelados ao mercado internacional, e a alta do dólar encarece esses produtos para o consumidor final.
Além disso, a valorização da moeda americana estimula exportações e reduz a oferta de produtos no mercado interno, elevando ainda mais os preços locais. O café é um exemplo clássico: enquanto os brasileiros pagam mais por ele aqui, o produto segue competitivo no exterior. Esses efeitos prejudicam desproporcionalmente as famílias de menor renda, que dedicam uma parcela maior de sua renda a bens essenciais, aprofundando a sensação de perda de poder de compra.
Por Que o Dólar Está Subindo Tanto?
Desde o início da pandemia, o real já perdeu cerca de 46% de seu valor frente ao dólar, sendo metade dessa desvalorização apenas em 2024. Embora a Covid-19 tenha desencadeado turbulências iniciais, culpar a pandemia não explica o cenário atual. Países com desvalorizações similares enfrentam crises políticas ou conflitos graves, como Egito, Nigéria e Sudão. No Brasil, o problema está enraizado em dois fatores principais: um externo e outro interno.
Fator Externo: Política de Juros nos EUA
Os Estados Unidos adotaram políticas monetárias mais restritivas, elevando suas taxas de juros para conter a inflação. Isso tornou os títulos do Tesouro americano mais atraentes para investidores globais, que buscam melhores retornos com baixo risco. Como consequência, países emergentes, como o Brasil, enfrentam fuga de capitais, o que reduz a oferta de dólares no mercado interno e pressiona sua cotação para cima.
Fator Interno: Política Fiscal Desalinhada
No Brasil, a desvalorização é agravada por uma política fiscal expansionista, marcada por gastos públicos superiores à arrecadação, que elevam o déficit fiscal e a dívida pública. Isso gera desconfiança entre investidores, levando-os a retirar recursos do país. O resultado é menor oferta de dólares e, consequentemente, um real ainda mais enfraquecido. Quando essa política alimenta a inflação e o Banco Central já está com juros muito elevados, isso pode levar a um grave desequilíbrio chamado dominância fiscal. O Bacen pode hesitar em subir os juros, tornando a atratividade do Brasil como destino de investimento menor e agravando ainda mais o cenário.
Conclusão
Para evitar que o dólar ultrapasse novos patamares históricos (e tenhamos saudades do dólar a R$6,00), o Brasil precisa adotar políticas fiscais e monetárias consistentes. Respeitar a independência do Banco Central e buscar equilíbrio fiscal — gastando menos do que se arrecada — são passos impreteríveis. Sem isso, é difícil imaginar uma reversão desse quadro nos próximos dois anos.
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